sábado, 29 de janeiro de 2011

FAMÍLIA

"Todas as famílias felizes se parecem ; cada família infeliz é infeliz à sua maneira." Tolstoi

Tostoi morreu há 100 anos é essa frase que inicia um de seus romances: Anna Karenina; continua mais atual e verdadeira do que nunca. Essa frase descreve milhões de famílias, entre elas a minha.

Minha família atualmente possui dois membros: minha mãe e eu, desde 2003 com o falecimento do meu avô somos apenas nós duas. Meus pais se separaram eu tinha 3 meses, fui criada com meus avós e minha mãe, ela precisou voltar para a casa dos pais, assim eu não ficaria sozinha, eles não eram uma das famílias felizes, isso se realmente elas existem.

Minha mãe sempre diz que minhas lembranças não são exatamente a realidade, que eu guardo o que eu imagino, ou algo assim, mas como eu penso exatamente o mesmo das lembranças dela, que são quase o extremo oposto das minhas, nunca saberemos ao certo já que não existem outras testemunhas da nossa vida. Concordamos apenas que sempre tivemos um relacionamento complicado, tenso e desagradavel.

Minha mãe adora descrever minha personalidade como uma cópia identica do meu pai, com quem ela não consegui conviver nem um ano completo, ou seja, perfeito! Meu avô sempre disse que minha mãe e eu não nós davamos bem porque somos muito parecidas. Não sei mais qual deles está certo, mas antes eu queria ser uma cópia identica da minha mãe admirava ela ao máximo, mas há uns 10 anos eu quero ser o mais diferente possível, o que causou essa mudança foi uma de nossa brigas. Gosto de imaginar nossa relação como uma escada, essa briga eliminou um dos degraus, sabe uma escada continua útil mesmo sem um de seus degraus, mas se eles continuarem a se perder, sua utilidade também, assim como nossa relação.

Agora sinto como se quase não houvesse mais degraus, depois dessa briga tivemos outras 3 brigas significativas, além de muitas outras menores. Segundo minha mãe apenas eu guardo rancor ou qualquer outro sentimento, mas dúvido muito disso, em algumas dessas brigas minha mãe deixou claro que sente que nosso relacionamento esta morrendo, desfazendo-se a cada novo desentendimento.

Claro que culpamos uma a outra, afinal sempre tentamos defender a nós mesmos atacando ao próximo, há dois anos percebi que não vou conseguir seguir com minha vida se não resolver isso, minha mãe diz que sou covarde e acomodada e por isso não sigo em frente sabe, isso é verdade tenho um medo absurdo de conseguir o que eu quero, se hoje eu consegui-se um emprego bom, compraria ou alugaria uma casa e acho que nunca mais veria minha mãe, mas as vezes acho que é exatamente o que precisamos para nós acertar distância. Mas me apavora, a primeira possibilidade, quer dizer morando juntas já vivemos como duas estranhas, quase não nós vemos e nos evitamos boa parte do tempo, qual a probabilidade de separadas isso mudar??? Meus filhos iriam conhecê-la???

Sempre que conversamos, ou melhor berramos uma com a outra sobre esse assunto, minha mãe enfatiza que não guarda rancor, que eu me afasto, que eu decidi afastá-la da minha vida, que eu não me abro, que eu adoro dizer que a vida é minha, que eu me irrito fácil, enfim que eu sou a responsável pelo que acontece, claro que eu não acho nada disso, bem um pouco, mas eu não posso ser a única responsavel, posso???

Não consigo ver essa possibilidade, eu teria que ser a criança de 3 anos mais apavorante do mundo, porque ao que me lembre nossa relação tem basicamente a mesma dinâmica desde meus 3 anos, isso é possivel uma criança de 3 anos determinar tanta coisa? Se pode eu nunca quero ter filhos!!!

Eu sempre fui assim? Ou me tornei fechada e irritavel, para me defender, sabe sobreviver a rotina? Deus, eu não posso ser tão ruim assim, ninguém pode! Mas eu me sinto assim, a pior das criaturas viva, nesses momentos eu quero me mudar pra uma caverna no fim do mundo, onde não teria contato com ninguém, assim não machucaria ninguém. Acho que nesses momentos realmente me afasto, embora fisicamente não me mude para a caverna, eu a crio dentro de mim, cada vez que me sinto assim eu sinto que mais um pedaço de mim entra nessa caverna, que mais um pedaço de mim me abandona.

Têm alguns meses que estou pensando seriamente em procurar ajuda, conversar com alguém, mas não acredito em psicologos, não tenho um guia religioso, sabe uma relação próxima com algum padre ou pastor que auxilie e falar com um completo estranho, não consigo me sentir a vontade. Tentei falar com minhas amigas, mas elas estão enfrentando as próprias crises, e não compreendem esse meu relacionamento com minha familia, antes eu me abria mais facilmente, bom na verdade não, eu só não precisava ser ouvida de verdade me sentia melhor só de falar, e não ligava de falar porque não percebia ou não ligava em deixar os outros constrangidos em me ouvir e não conseguir fazer nada, nem sequer me entender, não ligava de chorar na frente de algumas pessoas de me mostrar vulneravel, mas agora esse escape não funciona, ou não é mais possivel, não quero me mostrar vulneravel, fragil, não quero que ninguém perceba isso, mas não consigo esconder. Antes eu sabia exatamente quem eu era, quem eu queria ser, e embora ligasse para o que os outros pensavam, me sentia bem comigo, eu era suficiente pra mim sei lá. Não sei exatamente quando, mas acho que desde 2003, eu não basto, não estou satisfeita comigo mesma, e a opinião dos outros me afeta de uma forma que eu não consigo lidar, eu passei a ter medo de tudo, passei a tentar me remoldar, a me adaptar, a satisfazer o ideal dos outros e fiquei frustada, infeliz porque não sou o suficiente nem para os outros nem para mim.

Quando meu avô morreu percebi o quanto eu fui insuficiente, enquanto tentava me proteger da guerra fria instaurada em casa eu o magoei, e como fui egoísta, rude e má, e como seria impossível mudar isso porque ele estava morto,desde então sinto isso o tempo todo, com todos com minha mãe, com meus amigos, com meus ex-namorados. Meu Deus eu sou uma má pessoa mesmo, é isso que eu estou concluindo, eu maltrato todos que se aproximam, eu testo seus limites tentando provar que estou certa em não confiar, porque vão me ferir, que eu acabo criando exatamente isso, eu magoou tanto as pessoas que elas se cansam de mim, que elas se afastam, sei lá...

Tem um turbilhão de coisas dentro de mim, eu sinto que estou entrando em erupção, que vou explodir, faço essas tempestades, então me acalmo, antes por meses agora por semanas ou dias, eu me sinto inutil, insuficiente, incapaz, sinto que tudo é impossivel, então me vejo fazendo cada vez menos, me vejo me deixando prender por rotinas sem sentido e improdutivas e então me sinto culpada por isso e o turbilhão volta e eu não sei o que fazer, com quem falar, como agir.

Eu sou uma inutil, eu não consigo me dedicar a nada, eu decepciono as pessoas e a mim mesma, só com o fato de continuar a abrir os olhos pela manhã, eu choro horas e horas, e imagino as mudanças que deveria fazer, e depois eu durmo, e durmo e tudo se perde. Ninguém pode ser capaz de gostar de mim, se nem eu sou capaz...

Eu consigo escrever por duas horas, mas não sou capaz de falar com ninguém sobre isso, sobre todas essas coisas que me aflingem, eu não consigo ser sincera e aberta nem comigo. Não aceito criticas, não aceito ajuda, devo ser maluca como minhas tias, como minhã mãe sempre diz que sou...

É loucura escrever isso aqui, nunca vou permitir que ninguém leia, mas assim não vou rasgar e jogar fora como normalmente faço, ou será que deveria permitir que alguém leia, que assim me entenda. Queria ser um urso e hibernar o restante da minha vida.

Essas primeiras linhas foram escritas ao longo dos anos, tendo seu último acréscimo inserido em 2013. Longos três anos se passaram e hoje 28/12/2016 parece que nem um segundo se passou depois que coloquei o último ponto final nessa narrativa banhada a lagrimas. Inúmeras outras discussões, brigas, agressões existiram culminando na minha expulsão de casa com a frase "não quero mais você na minha vida", que resultou em uma dor absurda, mas inacreditavelmente após a única conversa significativa que tive com meu pai, que em um momento da mais absoluta humanidade disse que "essa é a melhor coisa que sua mãe poderia fazer por você, obriga-la a crescer". Esse momento permitiu que algo em mim se acalmasse que a dor diminuísse, não por muito tempo porque mesmo afastadas encontramos a cada mês novas formas de nos magoar, de nos ferir, de retiramos uma da outra mais um pedaço, de excluir mais um degrau. Acontece que já estamos em uma altura que ou encontramos uma forma de criar novos degraus, ou ficaremos presas para sempre nesse mesmo ponto, porque todos os degraus anteriores se perderam...
Há duas semanas, dia 14/12, liguei para minha mãe em "uma manhã despretensiosa de quarta-feira" e de alguma forma que após duas semanas não consigo compreender a conversa acabou com a bela declaração da minha mãe de que "tudo que depende de mim não dá certo", o incentivo do século!!! Mas piora, após me sentir ferida e exigi exemplos e me foram dados três: Uma tomada que não consegui resolver o problema, a porta de entrada para a laje que fiz milagre em instalar sozinha, e o pior de todos uma porta que foi necessária a troca depois que minha mãe a arrombou para me agredir, enquanto eu dormia. E pior a porta está sendo usada há 12 anos, mas aparentemente minha insatisfação enquanto fazia o trabalho não é bem aceita...
Então uma semana depois no dia 22/12 após atender uma cliente que tem sérios problemas com os filhos, sinto uma vontade gigantesca de ligar para minha mãe, mas ainda ferida sempre desisto da ideia, e assim a vida acontece por algumas horas, e as duas partes de mim lutando: o amor e meu instinto de sobrevivência, eis que o telefone toca e é minha mãe que deseja que eu veja uma cabeceira de cama, enfim a conversa super superficial, desligo o telefone decepcionada, mas devo um retorno ou me sinto obrigada a isso e ligo para informar que a cabeceira é bonita, mas que não quero...
Pior decisão do ano, aparentemente não querer essa cabeceira, ou uma cabeceira significa que preciso de tratamento médico porque reflete uma impossibilidade de progredir na vida e inúmeras outras coisas que não consegui compreender porque disparei de chorar...
Infelizmente esses episódios estão me consumindo, todos os dias em algum momento, em outros todos os momentos sinto uma angustia, um sentimento que não consigo descrever ou compreender...
Mais uma vez passei o natal sem família, em 28 anos não consigo recordar de um final de ano sem incidentes na minha família, sem drama, pesar e rupturas...
Estou vivendo esse momento sozinha, porque tenho vergonha de contar aos meus amigos a mais recente versão da mesma coisa de sempre, tenho vergonha de falhar em resolver esse problema, tenho vergonha...
Minhas forças, qualquer estrutura emocional que existiu um dia, se existiu, oficialmente não existe mais... A última vez que me senti tão distante da humanidade foi naquele incidente da porta, que causou uma mudança dentro de mim e me deixou perdida por 12 anos.
Meu desejo é de ruptura, de mudanças drásticas...Mas isso significa abandonar a única família que me resta, alguém que bem ou mal esteve ao meu lado durante toda minha vida, que me alimentou,  me vestiu, pagou meus estudos, e me serviu de exemplo, modelo, e por um bom tempo referência, me deu um teto e segurança. Como eu faço isso, sem ser a pessoa mais ingrata do mundo??? Mas onde eu posso encontrar força pra sobreviver a essa dinâmica que se repete infinitamente?? Como supero esse peso que rouba minhas forças, que esgota minhas energias, que faz eu ser a pior versão de mim???

E a saga continua. Depois de algumas semanas em absoluto silêncio, no dia 04/01 uma quarta-feira, voltei a odiar quartas-feiras, minha mãe me liga querendo orientação quanto a uma situação com a vizinha, conversamos normalmente, e infelizmente minha curiosidade faz com que eu ligue mais tarde para saber o resultado, aparentemente essa era a deixa para que a seguinte interpretação fosse extraída "estamos bem". Interpretação extremamente equivocada, nunca estivemos tão mal...
No mesmo dia mais tarde, ou no dia seguinte ela me liga para falar sobre uma pardal, andorinha sei lá uma ave que pode ou não ter perdido os filhotes e estar deprimida, queria abrir um buraco e gritar a até perder a voz, mas ouvi e minimamente participei da conversa.
Na sábado minha mãe liga solicitando que a leve no pronto socorro, em alguns minutos chego em sua casa para ouvir uma sessão de reclamação interminável, e saímos para o pronto socorro, acontece que no meio do caminho ela desiste e quer ir a farmácia e ao supermercado, nesse trajeto ela reclamou da velocidade que ia, de onde estacionei e de como ela precisa se segurar para andar de carro comigo, juro que precisei contar, respirar, fazer pressão nos dedos e tudo mais pra não explodir. Cheguei em casa consumida, exausta, angustiada, vazia...
O mesmo acontece na terça-feira, mas dessa vez vamos ao pronto socorro, novamente uma reclamação sem fim... depois de quase três horas saímos sem resultado de exames e com mais reclamações de como a medicação não serviu de nada. Novamente chego em casa angustiada, magoada, estressada, vazia, agitada, explodindo...
Então quinta-feira resolvo retornar uma ligação perdida, e mais uma sessão interminável de reclamação, de estava com fome, não te encontrei, precisava comer, em um tão de reprovação. Procuro o telefone de um médico agendo a consulta, procuro orientações sobre a possível doença, saio em busca da possível solução, e vou até sua casa, para mais reclamações, faço café, lavo louça e venho para casa. Adivinha??? Sim agitada, magoada, exausta, com o coração pesado, cheia de decepção comigo de como posso estar magoada nesse momento, e fico revirando pela casa, lavo louça, lavo o chão da cozinha, guardo a roupa que secou, lavo o banheiro, reviro na cama e quase quatro horas da manhã finalmente durmo. Acordo às oito da manhã estressada  por medo de ter perdido a hora, com o intestino revirando, e saio de casa... Chego na casa de minha mãe ela parece ter chorado, reclama, reclama, reclama... e saímos, alguns comentários, algumas caras, algumas respiradas chegamos a porta do consultório, críticas, aguardamos a consulta e saímos, mais algumas caras, respiradas e reclamações... Então saíndo de uma vaga me atrapalho e pronto críticas, tento manter a calma e explicar que não dirijo muito, não me sinto a vontade e suas críticas pioram a situação... Mas novas críticas, porque ando muito próxima ao canto, onde há um desnível e o carro entorta e ela sente dor. Ok, a reclamação é pertinente, mas a forma como foi feita, somada a tudo mais, somado ao fato que perdi a conta de quantas vezes ela reclamou porque estou muito no meio da rua, somado ao sono, a fome, a tudo eu explodo. E digo que parei minha vida pra judar, que estou com raiva, que é melhor ela não testar minha paciência... Sinceramente nem sei o que ela disse depois disso, ou se disse alguma coisa, mas minha raiva foi aumentando e quando vi estava berrando que ela deveria estar acostumada afinal "tudo que depende de mim não dá certo" e sai pisando duro...Fui as farmácias fiz o orçamento dos remédios, comprei, fiz o orçamento dos exames e fui até sua casa, ainda nervosa, mas arrependida, me sentindo a pior das criaturas do mundo ela estava dormindo.
Voltei para casa, e estou há cinco horas chorando e me sentindo a pior das criaturas da face da terra, muito embora ainda com raiva...
Eu sei que é minha obrigação cuidar dela, afinal ela já fez tanto por mim, e não me importo, mas a forma como ela acha que suas palavras não me abalam, que eu não estou destruída, que eu não mereço desculpas, ou um foi mal peguei pesado, ou algo assim...A forma como ela me trata como se eu fosse uma total incompetente e estivesse mais atrapalhando do que ajudando. Segundo ela eu faço exatamente isso sempre, mas com quem será que aprendi??
Perdi as contas de quantas vezes ela criticou a família do meu pai e a mim, porque não sabemos ficar calados que "se não tem nada de bom para falar, cala a boca!!!"
Mas ela não segue seu próprio conselho de forma alguma...
Enfim aqui estou eu repassando minha atitudes, vendo o quanto fui cabeça quente, acreditanto firmemente que eu deixei minha mãe ruim, com minhas más vibrações...